11.12.06

tabuleiro

eu olho para ela entre as luzes piscantes. o vestido longo se agita, dançando com ela ao som de the cure. ela não percebe meu olhar.

eu percebo cada movimento dela.

tenho paciência. esse é o meu jogo e aprecio cada lance, cada investida.

então, em um determinado momento, ela me percebe. estou longe o suficiente para que ela não entenda de imediato minhas intenções, mas perto o bastante para ela perceber que estou olhando em sua direção.

então, o jogo começa...

durante a noite, de forma quase que imperceptível, vou chegando mais perto. e mais vezes nossos olhares se cruzam. até que um sorriso inevitável se abre no rosto dela. desvio o olhar por um segundo, tímido.

há vários caminhos para o coração de uma mulher... os mais rápidos passam pelo desejo delas de cuidar de alguém. existem poucas que resistem a um ser carente.

e timidez é um sinal claro de carência.

finjo tomar coragem e ofereço um drink. ela não sabe, mas agora já não conseguirá ir embora.

conversamos um pouco. eu finjo ouvir. sempre funciona. as pessoas sempre estão a procura de alguém que as ouça.

todo o lance seria entediante, se a recompensa não fosse tão grande.

tenho que segurar minha vontade. só ela me denunciaria, agora.

dançamos juntos, corpos colados na pista. olhares encaixados. gosto dos olhos dela. gosto da mistura de sentimentos que vejo neles. o cheiro da pele dela é bom.

nos beijamos na pista. o gosto dela é suave. perfeita.

saímos dali... ela me leva ao seu apartamento. roupas caem no chão. ela geme baixo, frente aos avanços da minha língua.

chegamos à cama. nus, enroscados, um no outro. meu corpo e o dela.

ainda aqui, cada movimento meu é calculado. não sinto prazer na carne.

espero por algo mais profundo.

ela me puxa com força em sua direção. com o corpo pressionado contra o dela, eu faço o lance final:

ela me olha surpresa. mesmo sem conseguir ver os olhos dela, eu conheço a expressão perfeitamente. ela grita, tentando me afastar, mas meu abraço a impede.

eles sempre ficam desesperados, nessa hora.

os dentes abrem a carne do pescoço, com força. o gosto dos músculos e gordura logo é substituído por algo mais nobre.

um rio vermelho desce pelos ombros, até o peito. ela esperneia, sem conseguir fugir.

o gosto é familiar.

fecho os olhos e vejo tudo vermelho. escuto o coração dela batendo rápido e sinto o meu coração aumentando deu ritmo, acompanhando o dela.

um calor percorre meu corpo, começando pela cabeça e descendo pela espinha, até a base das costas. pequenos choques elétricos parecem percorrer meu corpo.

não paro de beber até que a batida no peito dela se torne débil demais até para os meus ouvidos.

o rosto ainda se concentra na expressão de dor e surpresa. ela me olha, sem reação alguma. os lençóis estão vermelhos, nossos corpos brilham, molhados de sangue.

eu a olho... ainda perfeita.

e aos poucos, o brilho dos olhos foge.

quase consigo perceber o momento em que a alma deixa o corpo dela.

fico ali durante algum tempo. extasiado.

beijo o rosto sem vida com carinho. ela e eu dividimos a mesma essência. por algum tempo, vejo o mundo como ela via.

lá fora, o dia começa a nascer.

toco a janela do quarto, sentindo o calor do sol do jeito que ela sentia. a sensação aos poucos vai embora.

como um vício, me pego pensando em uma próxima caçada.

eu ganhei o jogo...

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