3.2.07

sonhos

ela era uma menina inquieta. não que isso fosse algo ruim, mas seus pais tinham que lhe dar milhares de avisos sobre coisas perigosas. no fundo eles gostavam do jeito moleque dela.pareciam ser uma família feliz.

a infância foi calma. pequenos arranhões, um braço quebrado, várias e várias bonecas e muitas histórias. ela adorava dormir escutando seu pai contar histórias à beira da cama. havia algo na voz dele que a acalmava.

seu primeiro beijo foi aos 13 anos. ela não gostava tanto do menino, mas ele era um dos mais bonitos da escola. ela mesma chamava a atenção de muitos.

ela gostava de dançar. quando estava na pista, era como se nada mais no mundo existisse.

a menina conheceu ele quando fazia faculdade de história. eles não tinham muita coisa parecida, mas não desgrudavam um do outro.

eles se casaram depois que terminaram a faculdade. ela gostava de trabalhar dando aula e a vida de casada era muito mais interessante do que ela imaginava.

eles envelheceram juntos. os dois costumavam escrever histórias e contar para seus dois filhos e depois para os netos.

gostavam de passear juntos e gostavam de cinema e pipoca.

já velhinha, ela gostava de observar os netinhos correndo no quintal. sentia-se feliz.

ela está na sala de parto. olha para o lado e vê a mãe chorando, deitada. seu corpo de bebê é incapaz de se estabelecer. aos poucos, ela fica fraca demais. a pequenina luta de olhos fechados. tenta viver, mas a luta é longa e cansativa demais.

em seus sonhos, ela é feliz.

na mesa de cirurgia, um coração minúsculo pára de bater.

sonhos

ele canta baixo, enquanto observa o fogo. a canção é antiga e já foi cantada por seu pai e pelo pai dele, antes.

uma rajada fria de vento faz as chamas tremerem.

o jovem segura uma vasilha com os restos de um líquido escuro. o sabor amargo ainda permanece em seus lábios e aos poucos, uma sensação quente lhe percorre o corpo.

ele olha para a chama, olhos vidrados no movimento do fogo. aos poucos ele deixa de ser homem e se torna parte do fogo. a canção continua, mas ele parece ouvir outras vozes cantando, além da sua.

o fogo se transforma em fumaça e como fumaça, se espalha pelo ar.

o jovem sobe aos céus, seguindo os caminhos do vento.

ele não tem corpo, agora é somente espírito. a canção toma todo o ar e ele percebe que não é mais ele quem está cantando.

a figura de seu pai aparece por entre as nuvens. o pai de seu pai o acompanha. e o pai dele, junto.

as estrelas formam padrões e desenhos novos.

o jovem deixa-se carregar entre as estrelas. a canção dos antigos muda. agora eles falam diretamente em seu coração.

ele vê sua tribo cavalgando os grandes búfalos, na planície. os animais estão por todos os lados e a visão é grandiosa...

e ele vê um trovão cair do céu e um animal de metal percorrendo as planícies. há um homem branco sobre a grande serpente prateada.

os búfalos fogem do monstro. e ele vê os homens de sua tribo desaparecerem, no horizonte.

o jovem shaman abre os olhos. o fogo crepita, no silêncio da noite. não há mais canto.

não há mais futuro.

sozinho em sua tenda, o jovem chora.
você é o lugar onde não me sinto sozinho.
queria inventar palavras pra dizer o que eu sinto.

as que conheço parecem tão toscas.

não há precisão nas palavras.

29.1.07

niilista em conflito

eu sou naturalmente niilista. é complicado demais, imaginar uma outra existência além desse mundo.

e ainda assim, lá dentro, enterrado fundo em minhas conjecturas e pensamentos, existe uma pequena luz que brilha apesar de toda a escuridão e desolação.

fé?

em quê?