13.6.06

espelho

os dois se olham, frente a frente, fascinados.

pela primeira vez parecem olhar em um espelho que não distorce-lhes a imagem.

cada um vê a si mesmo no outro e a visão os hipnotiza.

ela pensou que não havia mais ninguém que se comportasse como ela no mundo.

ele desejava desesperadamente encontrar um igual em seus caminhos.

as palmas das mãos se tocam, enquanto olhos sedentos de tudo se olham com intensidade.

mesmo nas diferenças há o entendimento que só existe entre iguais.

um é o outro. os dois são feitos do mesmo material.

o mundo se cala diante do encontro.

máscaras caem entre eles, descarnando corpos que nunca foram mostrados ao mundo.

o sangue das mãos se misturam, entrelaçam um laço tão antigo quanto eles próprios.

em sombras, o mundo se cala.

em silêncio, eles se tocam.

em um abraço que consome

os dois...

um só...

o mundo.

predador

eu sou exatamente aquilo que você quer que eu seja:

amável, compreensivo, carinhoso, amigo, protetor, amante, companheiro, irmão.

até que seja tarde demais para escapar.

12.6.06

meus olhos se fecham, pesados.


mas eu não quero dormir.
o corvo voa essa noite, por sobre o mundo.

eu sigo o bater de suas asas negras até a terra dos sonhos.

lá, entre as sombras de sonhos antigos de mundos que não mais existem, eu encontro meu lugar.
ele entregou parte de sua vida ao mundo. entregou momentos felizes. entregou promessas feitas.

teve de se afastar de quem ama. teve que afastar pessoas que o amavam.

o mundo parece vencer a todos no fim.


mas ele sabe que dentro de si há um lugar que não será entregue nunca.


ele prefere ser chamado de sonhador do que entregar sua alma ao mundo.
ah! se você pudesse entender todas as cores e todos os nuances que está me fazendo enxergar agora.


você é feito uma droga. tem horas que não consigo ter o suficiente, não importando o quanto eu consiga.


me disse hoje que meu brilho te ofusca. é engraçado, porque eu sempre penso nisso quando falo com você. tem um brilho vindo de você que é muito claro, mas ao mesmo tempo é suave e não machuca os olhos.


um brilho que eu sei que você nem sabe existir.
pode alguém querer algo que seja suave e surpreendente ao mesmo tempo?


pode-se querer ser enfeitiçado, mas manter a cabeça no lugar para não se deixar levar por sentimentos?


pode um homem desejar tanto e de tantas formas e ainda assim, de alguma maneira, querer que tudo seja simples?


eu posso... eu quero...
ela abre os braços na chuva, tentando apagar a chama que consome internamente sua alma. de olhos fechados, ela se lembra do toque suave da boca da outra menina, lembra das palavras trocadas juntas, lembra dos pequenos segredos.

ela pede à chuva que leve embora todas as incertezas.

ela pede à tempestade que inunde o mundo, não deixando nada para trás.

ela pede, ajoelhada, de braços abertos, para que as lágrimas cessem.

detalhes

ele olha por um longo instante para ela. nunca lhe disse o quanto os olhos pareciam mudar de cor de acordo com o seu humor.

agora eles estavam num tom de verde quase indo para o azul.

nunca contara a ela dos pequenos detalhes. gostava de colecioná-los para si. gostava de pensar que ele detinha consigo os segredos de todas as particularidades dela.

"não, não. agora eu não tenho ninguém. por que você perguntou?"

"queria saber se o seu coração tá mais organizado que o meu."

"acho que o meu coração tá organizado porque ele tá vazio!"

eles riem, falando de coisas bobas. a fumaça do cigarro dela os envolvia. na mesa, os livros que os dois haviam comprado à pouco serviam de companhia para o cinzeiro e as xícaras de um café de aroma forte. ele batucava despreocupadamente os dedos no canto da mesa e ela prestara atenção, fazendo um comentário bobo. lá fora, uma chuva de inverno transportava a paisagem carioca para um país diferente.

ela toma o café em goles pequenos, enquanto olha para fora, distraída.

ele olha para ela e deseja ter sua câmera à mão. certos momentos merecem ser registrados para sempre.

ela olha na direção dele. ele responde, antes que a boca formule a pergunta que ele leu nos olhos verde-azulados dela.

"vou escrever uma história sobre você, hoje."

ela sorri:

"eu vou gostar."

ele nunca se sentia exatamente no lugar onde estava. mas na suavidade daquele final de tarde, ele pensa que não gostaria de estar em nenhum outro lugar do mundo...