14.1.06

eu estava em uma drogaria, procurando remédio para gripe, há umas semanas atrás (por falar nisso, eu não sei qual a diferença entre naldecon dia e naldecon noite. os dois tiveram o mesmo efeito em mim!) e aí vi uma velhinha caminhando por entre as prateleiras. resolvi ficar observando-a.

escondi-me por trás de alguns pacotes de fraldas e eu tenho que dizer que fiquei intrigado com o comportamento da dita senhora: ela parecia estar se divertindo, entre as milhares de embalagens de medicamentos. escolhendo entre o melhor remédio para pressão, vendo os lançamentos da área de antiinflamatórios, conversando com o balconista sobre qual o melhor expectorante levar para o marido com problema de tosse, em casa.

é um pouco engraçado, não sei se já perceberam, quando um grupo de velhinhos se encontra e começam a conversar... passam-se alguns minutos e um deles fala das dores na coluna, enquanto outra reclama de dificuldade de urinar. pra quem chega desavisado, parece que estão disputando qual deles tem maiores problemas de saúde.

acho que é um pouco uma briga por atenção. devem se sentir abandonados e quando encontram alguém disposto a conversar, acabam falando dos problemas.

uma bizarra maneira de chamar a atenção.

o fato é que a velhinha da farmácia parecia estar se deliciando com as explicações do balconista (certamente formado em farmácia, afinal, estava dando dicas a ela do que tomar).

- não. esse aqui a senhora toma 3 vezes ao dia, logo após uma refeição.

- hummm... e é pra que mesmo?

- pra coluna. é um antiinflamatório novo.

- ah! que bom. o que eu tomava já não tá fazendo efeito... precisava de uma coisa mais forte.

- bem... se a senhora quiser, tenho esse outro aqui, ó...

o rapaz puxou a velhinha para um canto e mostrou a ela uma caixa, olhando para os lados, preocupado.

- ó... tem esse outro aqui... coisa novíssima... direto do laboratório nos estados unidos. ainda estão testando em cobaias.

os olhos da velhinha brilharam de emoção.

- eu vou querer 2 caixas!

e foi, toda serelepe, para o caixa...

ouvi dizer que tem uma senhora em s. paulo que tá cultivando os seus próprios vírus e bactérias, tentando achar uma cepa totalmente nova, resistente aos antibióticos mais poderosos.

é praticamente uma guerra biológica...

12.1.06

pecados dos pais

eles tocam as pontas das espadas, num segundo quase eterno, enquanto os olhos esquadrinham cada movimento do corpo do adversário.

ao redor dos dois, o som de metal e gritos humanos impera sob os céus escuros de nuvens do início do inverno. fumaça negra toma o ar, tornando a visão dos homens se digladiando quase como o cenário de um pesadelo.

o jovem vestindo a armadura da cor das nuvens de tempestade não ouve os sons da batalha à sua volta... não sente o cheiro de sangue e fumaça no ar... nada mais existe à sua volta, além de seu adversário, de tudo o que o homem à sua frente representa de todos os anos de ódio, abandono e rancor. ele viveu a vida inteira por esse momento.

e não será derrotado.

o grande rei avalia o inimigo que tem metade da sua idade. os olhos negros do rapaz estão vidrados, olhando algo que parece estar além. ele sabe que aqueles olhos só são capazes de enxergar a vingança que foi planejada por anos e que agora espera o momento final, como uma serpente espera o momento do bote, com os dentes repletos de veneno mortal. o grande rei sabe o que aquela batalha entre os dois representa.

e ele não pode ser derrotado.

os homens batem as espadas, golpe após golpe.
faíscas voam para o ar quando as duas lâminas se tocam. as histórias que narraram esses eventos falarão que os próprios deuses desceram dos céus para assistir ao imbate.

metal contra metal. força contra força. e nenhum dos dois afasta-se.

o jovem ataca sempre, procurando uma brecha entre as defesas do homem à sua frente. por instantes ele reconhece semblante do inimigo traços que ele mesmo carrega consigo. por trás das cicatrizes, está um rosto que ele reconhece como seu. e isso só aumenta o ódio e a força nos golpes.

o grande rei defende-se, tentando afastar os golpes do jovem. por dentro ele se culpa por nunca ter procurado aquela criança. o jovem só conheceu o esquecimento em sua vida. naquele momento, o grande rei quis terminar com a batalha. não havia sentido naquilo. mas ele se lembra dos caminhos que ele percorreu e de todos os erros que cometeu, em nome de um sonho que, ele agora sabe, nunca poderá ser realizado.

corvos sobrevoam o ar, esperando pelo fim de tudo, para levar embora a alma dos homens mortos e se alimentarem de seus corpos vazios.

o grande rei sente o fio da lâmina sobre o ombro esquerdo, seguido de um jorro quente que desce pelo braço. o corte não foi profundo demais, mas o braço agora está imobilizado. a dor o faz esquecer de quem ele está combatendo e ele se transforma no guerreiro de outrora, selvagem, quase inumano, tomado por um frenesi assassino, ele deseja o sangue do garoto em sua espada.
ele avança sobre o rapaz, golpe após golpe, gritando como um dos monstros das antigas lendas. naquele momento, o grande rei dos homens não havia mais. ali estava o rei urso, mortal... sedento de sangue.

a chuva começa a cair novamente, fazendo com que os dois homens percam o equilíbrio, dando a vantagem ao outro, por alguns instantes. mas nenhum dos dois esmorece. naquele local não havia espaço para a derrota.

o garoto levanta-se e avança em direçao ao homem, com a espada erguida, ele sente o seu golpe atravessar a cota de malha do inimigo. o sangue molha-lhe as mãos.

tudo fica escuro.

o jovem de cabelos e olhos negros sente o gosto do próprio sangue na boca. com os olhos arregalados, ele percebe a lâmina da espada real em seu peito.

os dois homens... os dois maiores guerreiros de todos os tempos se entreolham. dois corpos, unidos uma única vez em toda a vida, pelas lâminas de suas espadas, atravessadas em seus corpos.

o jovem olha para o grande rei e percebe, pela primeira vez na vida, que o ódio não foi o bastante. nunca seria o bastante.

o grande rei ajoelha-se enquanto ele olha para o jovem e um lágrima escorre-lhe os rosto, misturada com a chuva e o sangue.

os dois se abraçam, pela primeira vez.

pela primeira vez eles são pai e filho.

e pela última vez, o silêncio se fez no mundo.
cellar door...

9.1.06

e em algum lugar do passado, um menino tímido e calado senta-se no canto do sofá, para ler a enciclopédia do irmão mais velho.

ele devora os tópicos como só uma criança poderia fazer.

e ele deseja saber mais, conhecer mais, porque dentro dele queima um fogo que pede mais e mais combustível.

os pais não o entendem... o irmão mais velho o observa, tentando aceitar o comportamento do menino.

e o garoto tímido e calado observa a todos, criando mundinhos dentro de sua cabeça, com cada pedaço de informação que recebe do mundo...

e a fome nunca acabou...

como areia por entre os dedos

é engraçado como quando eu preciso dizer algo importante demais sobre o que sinto para alguém, eu fico sem palavras.

maldita timidez!
eu observo a mariposa voando ao redor do fogo, até que o calor da chama toca as asas e ela cai em direção ao brilho mortal.

entregar-se às paixões pode ser algo perigoso, penso...

mas voar por aí no escuro, o resto da noite pode ser mortal também, quando tudo o que existe em você pede urgência.

8.1.06

a vida no limiar

é... eu vivo no limiar.


por quê? porque eu não sei viver de outro jeito. só isso... :)
os dedos acompanham o formato da lâmina, enquanto ele sente o toque tentador e frio do aço. ela encontra-se deitada, os olhos vendados, o corpo, coberto apenas por uma lingerie cor de vinho tinto, se expõe na cama. o brilho do luar ilumina a pele alva.

ele se aproxima, calmamente, tentando aproveitar cada segundo da experiência, ouve a respiração dela ficar um pouco mais rápida, quando ela sente a sua presença ao lado da cama.

ele segura a lâmina com destreza e a aproxima da pele dela lentamente.

ela sente o toque do metal e solta um gemido... a respiração fica um pouco mais ofegante...

a lâmina desliza sobre os seios dela, correndo por sobre a seda do sutiã... até que, com um movimento rápido, ele corta o tecido, fazendo com que a jovem sinta um espasmo involuntário de prazer.

ele sussura no ouvido dela...

ela morde os lábios, concordando com a cabeça...

a lâmina desliza por sobre o abdômen iluminado pelo luar... desce até a calcinha...

ela fala o nome dele, mas ele fica em silêncio.

o corte expõe a virilha dela, ele aproxima os lábios da pele e a beija, enquanto faz carinhos com a lâmina no corpo retesado de prazer, dela.

ele fica sobre ela e corta a venda que cobriam os olhos...

ele olha para ela com um olhar faminto... de predador... de amante.

eles se beijam... e ela se torna dele, naquela noite.