eles tocam as pontas das espadas, num segundo quase eterno, enquanto os olhos esquadrinham cada movimento do corpo do adversário.
ao redor dos dois, o som de metal e gritos humanos impera sob os céus escuros de nuvens do início do inverno. fumaça negra toma o ar, tornando a visão dos homens se digladiando quase como o cenário de um pesadelo.
o jovem vestindo a armadura da cor das nuvens de tempestade não ouve os sons da batalha à sua volta... não sente o cheiro de sangue e fumaça no ar... nada mais existe à sua volta, além de seu adversário, de tudo o que o homem à sua frente representa de todos os anos de ódio, abandono e rancor. ele viveu a vida inteira por esse momento.
e não será derrotado.
o grande rei avalia o inimigo que tem metade da sua idade. os olhos negros do rapaz estão vidrados, olhando algo que parece estar além. ele sabe que aqueles olhos só são capazes de enxergar a vingança que foi planejada por anos e que agora espera o momento final, como uma serpente espera o momento do bote, com os dentes repletos de veneno mortal. o grande rei sabe o que aquela batalha entre os dois representa.
e ele não pode ser derrotado.
os homens batem as espadas, golpe após golpe.
faíscas voam para o ar quando as duas lâminas se tocam. as histórias que narraram esses eventos falarão que os próprios deuses desceram dos céus para assistir ao imbate.
metal contra metal. força contra força. e nenhum dos dois afasta-se.
o jovem ataca sempre, procurando uma brecha entre as defesas do homem à sua frente. por instantes ele reconhece semblante do inimigo traços que ele mesmo carrega consigo. por trás das cicatrizes, está um rosto que ele reconhece como seu. e isso só aumenta o ódio e a força nos golpes.
o grande rei defende-se, tentando afastar os golpes do jovem. por dentro ele se culpa por nunca ter procurado aquela criança. o jovem só conheceu o esquecimento em sua vida. naquele momento, o grande rei quis terminar com a batalha. não havia sentido naquilo. mas ele se lembra dos caminhos que ele percorreu e de todos os erros que cometeu, em nome de um sonho que, ele agora sabe, nunca poderá ser realizado.
corvos sobrevoam o ar, esperando pelo fim de tudo, para levar embora a alma dos homens mortos e se alimentarem de seus corpos vazios.
o grande rei sente o fio da lâmina sobre o ombro esquerdo, seguido de um jorro quente que desce pelo braço. o corte não foi profundo demais, mas o braço agora está imobilizado. a dor o faz esquecer de quem ele está combatendo e ele se transforma no guerreiro de outrora, selvagem, quase inumano, tomado por um frenesi assassino, ele deseja o sangue do garoto em sua espada.
ele avança sobre o rapaz, golpe após golpe, gritando como um dos monstros das antigas lendas. naquele momento, o grande rei dos homens não havia mais. ali estava o rei urso, mortal... sedento de sangue.
a chuva começa a cair novamente, fazendo com que os dois homens percam o equilíbrio, dando a vantagem ao outro, por alguns instantes. mas nenhum dos dois esmorece. naquele local não havia espaço para a derrota.
o garoto levanta-se e avança em direçao ao homem, com a espada erguida, ele sente o seu golpe atravessar a cota de malha do inimigo. o sangue molha-lhe as mãos.
tudo fica escuro.
o jovem de cabelos e olhos negros sente o gosto do próprio sangue na boca. com os olhos arregalados, ele percebe a lâmina da espada real em seu peito.
os dois homens... os dois maiores guerreiros de todos os tempos se entreolham. dois corpos, unidos uma única vez em toda a vida, pelas lâminas de suas espadas, atravessadas em seus corpos.
o jovem olha para o grande rei e percebe, pela primeira vez na vida, que o ódio não foi o bastante. nunca seria o bastante.
o grande rei ajoelha-se enquanto ele olha para o jovem e um lágrima escorre-lhe os rosto, misturada com a chuva e o sangue.
os dois se abraçam, pela primeira vez.
pela primeira vez eles são pai e filho.
e pela última vez, o silêncio se fez no mundo.
12.1.06
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