5.5.06

por que eu só consigo pensar em fogo, sempre que vou escrever???

estranho.

quarto de hotel

tocou a superfície da água, fazendo com que seu reflexo se tornasse fluído, amorfo. a temperatura estava perfeita.

despiu-se do roupão, jogando-o no chão.

entrou na banheira, sentindo o calor da água aquecendo seu corpo, as pernas, as coxas, o quadril, os seios.

adorava banhos de banheira. gostava de mergulhar a cabeça dentro da água, sentindo-se completamente submersa. o mundo parecia silenciar por alguns momentos. tudo parecia calmo, quente e agradável.

a espuma se espalhava, tocando-lhe a pele delicadamente, feito uma nuvem.

ela começou a se banhar.

o corpo continuava firme, mesmo nessa idade. gostava de correr a esponja de banho pelas pernas, sentindo-lhe a maciez, a textura.

os braços eram longos, fortes, mas não musculosos demais.

a barriga exibia uma cicatriz de uma cesariana, mas não era uma marca especialmente grande e de alguma forma ficara-lhe bonita, pois assumiu a forma de uma lua crescente.

jogava água displicentemente pelas costas.

era perfeita. já ouvira essa expressão antes. era perfeita e sentia-se perfeita.

havia-se desgarrado de todas as preocupações da juventude. havia cumprido seu papel ante as outras pessoas.

agora era o momento dela se dedicar a si mesma.

fechou os olhos e ficou vários minutos em silêncio, sentindo o calor em seu corpo, a suavidade da espuma relaxando os músculos.

sorria.

esquecera do mundo por algum tempo, até que sentiu-se outra pessoa.

levantou-se, de forma preguiçosa.

começou a se secar.

olhava-se em um grande espelho que ornamentava o banheiro. olhava cada detalhe com um prazer narcisístico, só seu.

pensou em pintar o cabelo de outra cor, enquanto os pintava.

ruivo.

colocou o perfume e a maquiagem. apenas um pouco sobre o rosto, para dar um tom diferente à pele.

vestiu a lingerie, com rendas azul-marinho.

cetim azul.

o vestido ajustou-se perfeitamente ao corpo.

calça o sapato.

ela dá uma última olhada para o quarto.

na cama, o corpo do homem encontra-se emaranhado com os lencóis, ainda sujos de sêmen e sangue.

os olhos dela brilham, com uma satisfação negra.

ela fecha a porta e vai pelo corredor. o som dos saltos diminuem com a distância.

4.5.06

guardião da luz

a chama da vela faz com que as sombras tomem vida própria, movendo-se de maneira errática.

ele observa a vela queimar. lembra-se de quando era criança e a luz acabava, nas noites de verão. ele e o irmão ficavam brincando no quarto, à luz de vela.

faziam animas de sombra... contavam histórias de terror... conversavam sobre o mundo.

lembra-se de que ficava hipnotizado com o tremeluzir da chama.

imaginava que, se a vela queimasse até o fim e o fogo se apagasse, não existiria nada no mundo.

a vela era tudo o que mantinha as coisas ainda existindo. sem ela, só escuridão e esquecimento.

ele guardava a chama, mas os olhos ficavam sempre muito pesados, o dançar do fogo era quase hipnótico, era difícil ficar acordado...

ele abria os olhos novamente e lá fora o sol já brilhava no céu. um monte de cera derretida jazia, onde antes estava a vela. o fogo havia se apagado.

mas o sol trouxera novamente a luz ao mundo.

haveria mais um dia, enfim...
sim.


eu voltei.


porque não consigo largar certos vícios.

poema de carne

a lâmina brilha,

o corpo tensiona,

a alma grita,

a vida devora.
alguma coisa me olha, na escuridão da noite.

olhos antigos, tão antigos quanto o mundo, esperam.


alguma coisa espreita, nas trevas.

esperando até que o mundo silencie.

esperando até que eu durma.


posso sentir seu ódio.

posso sentir seu mal.

é algo palpável e antigo.


alguma coisa me olha, na escuridão da noite.

eu fecho os olhos e sinto.


eu sou aquele que observa nas trevas.
ficou observando a fogueira.

pequenos insetos vinham da escuridão da noite mais além, atraídos pelo fogo. hipnotizados pela luz, até que o calor queimava-lhes as asas e eles caiam em direção à morte.


sentia-se fogo, essa noite.

eternal days

abaixa-se, delicadamente deitando o corpo da mulher no chão. olha para os olhos, semi abertos. um brilho apaga-se aos poucos, no olhar distante.

as marcas da mordida jazem avermelhadas, obscenas, no pescoço. o peito nu esforça-se por mais uma respiração. prende-se a vida que esvaiu-se.

a vida dela agora corre no corpo dele. aos poucos se transformando.

ele vive às custas dela. sempre foi assim. sempre será. sentia-se superior a eles, mas mesmo assim sabia ser dependente das vidas deles.

ele continua a olhar em silêncio quando ela pára de respirar. um pequeno suspiro e a alma se esvai no ar.

depois de anos, fazia sempre a si mesmo a pergunta de como seria aquela sensação. claro, não estava mais vivo. mas tampouco estava morto. era uma sombra, uma abominação. a morte e a vida haviam-lhe sido negadas. admirava as estátuas, porque se reconhecia nelas, de alguma maneira.

abaixou-se mais. tocou levemente os lábios da morta com seus próprios. sentia ainda o calor que emanava do corpo dela. mas aos seus olhos aguçados de caçador, o corpo adquirira uma coloração pálida, acinzentada.

quase como o seu próprio.

levantou-se de súbito. fora do quarto abandonado, o sol já fazia correr seus primeiros raios pelo mundo. era preciso sair dali.

dentro de si, sentia a vida dela percorrer-lhe as veias. parecia quase poder reviver em sua memória acontecimentos da vida dela. a sensação era indescritível. viciante. saciar a fome é a maior recompensa de sua existência.

claro, existia o sexo, mas não havia comparação. a sensação do gozo, explosiva, libertadora era ínfima, perto de poder sentir a vida invadindo-lhe o peito, o corpo novamente. e todas as sensações! o mundo parecia adquirir outras cores. cores que ele nunca vira em vida. e novos cheiros e novos sons!

saiu da casa abandonada. a rua começava a ficar cheia novamente.

o fluxo eterno de pessoas nas artérias da cidade.

caminhava entre eles, incógnito.

era como um animal predador com a camuflagem perfeita. podia chegar perto o suficiente e eles nunca perceberiam o ataque até que fosse tarde demais.

mas precisava ter pressa. tinha um compromisso.

caminhou até o parque. novas mães brincavam com suas crianças. casais caminhavam juntos, após uma noite de carícias escondidas.

e lá, perto do lago, estavam eles.

ela e o garoto, já beirando 10 anos, davam comida aos patos. alheios à presença dele.

escondeu-se nas sombras (era especialista nisso) e observou-os, até que eles foram embora, caminhando para a entrada norte.

e monstro foi embora, na direção contrária, em direção a mais um dia num suceder de dias e noites iguais. mas naquela manhã, se alguém pudesse chegar perto, perceberia uma pequena lágrima escorrendo de seus olhos.

on the road again

caminho...

a poeira se eleva amarela aos céus...

a estrada estende-se a minha frente...

e eu sigo à sua margem.