4.5.06

eternal days

abaixa-se, delicadamente deitando o corpo da mulher no chão. olha para os olhos, semi abertos. um brilho apaga-se aos poucos, no olhar distante.

as marcas da mordida jazem avermelhadas, obscenas, no pescoço. o peito nu esforça-se por mais uma respiração. prende-se a vida que esvaiu-se.

a vida dela agora corre no corpo dele. aos poucos se transformando.

ele vive às custas dela. sempre foi assim. sempre será. sentia-se superior a eles, mas mesmo assim sabia ser dependente das vidas deles.

ele continua a olhar em silêncio quando ela pára de respirar. um pequeno suspiro e a alma se esvai no ar.

depois de anos, fazia sempre a si mesmo a pergunta de como seria aquela sensação. claro, não estava mais vivo. mas tampouco estava morto. era uma sombra, uma abominação. a morte e a vida haviam-lhe sido negadas. admirava as estátuas, porque se reconhecia nelas, de alguma maneira.

abaixou-se mais. tocou levemente os lábios da morta com seus próprios. sentia ainda o calor que emanava do corpo dela. mas aos seus olhos aguçados de caçador, o corpo adquirira uma coloração pálida, acinzentada.

quase como o seu próprio.

levantou-se de súbito. fora do quarto abandonado, o sol já fazia correr seus primeiros raios pelo mundo. era preciso sair dali.

dentro de si, sentia a vida dela percorrer-lhe as veias. parecia quase poder reviver em sua memória acontecimentos da vida dela. a sensação era indescritível. viciante. saciar a fome é a maior recompensa de sua existência.

claro, existia o sexo, mas não havia comparação. a sensação do gozo, explosiva, libertadora era ínfima, perto de poder sentir a vida invadindo-lhe o peito, o corpo novamente. e todas as sensações! o mundo parecia adquirir outras cores. cores que ele nunca vira em vida. e novos cheiros e novos sons!

saiu da casa abandonada. a rua começava a ficar cheia novamente.

o fluxo eterno de pessoas nas artérias da cidade.

caminhava entre eles, incógnito.

era como um animal predador com a camuflagem perfeita. podia chegar perto o suficiente e eles nunca perceberiam o ataque até que fosse tarde demais.

mas precisava ter pressa. tinha um compromisso.

caminhou até o parque. novas mães brincavam com suas crianças. casais caminhavam juntos, após uma noite de carícias escondidas.

e lá, perto do lago, estavam eles.

ela e o garoto, já beirando 10 anos, davam comida aos patos. alheios à presença dele.

escondeu-se nas sombras (era especialista nisso) e observou-os, até que eles foram embora, caminhando para a entrada norte.

e monstro foi embora, na direção contrária, em direção a mais um dia num suceder de dias e noites iguais. mas naquela manhã, se alguém pudesse chegar perto, perceberia uma pequena lágrima escorrendo de seus olhos.

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