29.4.06

1984

ele fecha o livro. idéias navegam em mares revoltos, em sua mente.

ele observa as grades na janela.

e as câmeras de segurança mais além.

e as pessoas se trancam em seus carros, nas ruas.

ele pensa em liberdade. e pensa onde todos erraram.

2004

fechara o livro e ficara olhando para ele, durante quase uma hora.

na parede à sua esquerda, a teletela mostrava os resultados da última conquista da guerra contra a eurásia. não prestara atenção ao que estava sendo dito, mas imagens de uma grande fortaleza marítima em chamas vinham acompanhadas do hino da oceania. a guerra logo terminaria com a vitória da oceania.
vivas para o partido. vivas para o grande irmão.

a imagem de um homem com olhos penetrantes e um bigode que escondia a expressão do rosto apareceu. do outro lado do aparelho, alguém escutava e via todos os atos dele. ou não. era impossível saber quando a polícia do pensamento estava de olho.

não mudara a expressão do rosto. não se permitia demonstrar as emoções que estava sentindo.

não entendia como o livro fora aparecer em sua mesa, abaixo de uma pilha de outros documentos que ele tinha que alterar, lá estava. um livro fino, de um tipo de papel que ele nunca vira na vida. as páginas estavam escritas com uma letra feia, cheia de garranchos. mas o que ali estava escrito.

dois nomes apareciam, no meio dos escritos: winston e julia.

e a data: 1984.

eram as únicas referências que ele tinha sobre o dono dos escritos. a letra parecia masculina, então incoscientemente a associara a winston.

por fim, o medo o dominou (mas não mudara a expressão do rosto, não se permitiria isso) e ele jogou o livro no incinerador. nada mais existiria, além da lembrança do que havia sido escrito.

ele terminou o trabalho, olhando de tempos em tempos para a teletela. aguardando que os homens da polícia do pensamento chegassem.

mas nada aconteceu.

terminara seu turno sem encontrar mais ninguém. modificou vários exemplares de jornais e sites da internet, acertando informações. não entendia como poderiam produzir tantos documentos com informações erradas, mas em nome do partido, era necessário corrigir os erros anteriores.

voltara para casa, caminhando pelas ruas cinzentas. o agasalho não o protegia contra o frio, mas era tudo o que pôde arranjar. os soldados da linha de frente precisariam muito mais dos recursos do que ele. ficara feliz em poder contribuir com a guerra, com qualquer dinheiro que sobrasse. a oceania precisaria de toda ajuda possível, contra os monstros da eurásia.

caminhou por um bairro de proles. em um beco escuro, uma mulher oferecia seu corpo por uma barra de chocolate. crianças famintas olhavam para ele, quietas. ele não vira nada.

o apartamento está frio. os aquecedores foram desligados mais cedo, hoje. a teletela domina o cômodo, mostrando a imagem de uma mulher discursando sobre a importância do casamento para a reprodução e a manutenção dos números demográficos.

não era possível desligar o aparelho.

ele se deitou, cobrindo-se com um cobertor velho, mas que ainda o mantinha quente. precisaria recorrer a outro em breve. esperava ter dinheiro.

fechara os olhos. tudo o que via a sua frente eram as letras de um livro velho, mal escritas, palavras infantis, mas que não saiam de sua mente.

naquela noite, ele dormiu e sonhou ser winston... sonhou com ele escrevendo o livro (como faria para se esconder da teletela e dos microfones?).

sonhou com o grande irmão, ditando a sociedade, o único mantenedor de tudo em que acreditavam. uma grande estátua falava a todos os da oceania. mas por alguma razão, a estátua estava quebrada, deformada. e ninguém parecia perceber.

sonhou com uma bota militar esmagando o crânio de uma criança.

sonhou com julia.

no dia seguinte, ele acordou. o frio tornava o ato de levantar-se bastante doloroso. fora ao banheiro.

olhou-se no espelho (haveria ali alguma câmera?).

era o mesmo de antes. mas algo havia mudado.

se olhassem de perto, mesmo assim não veriam. mas havia um brilho nos olhos dele.

ele não sabia o que era aquilo. mas se ele pudesse dar um nome ao brilho, seria...

esperança.

27.4.06

em algum lugar, ela dorme...

e eu aqui, sonho acordado.

26.4.06

noite de outono

eles se abraçam, deitados na cama... as sensações do gozo do sexo ainda a correr por seus corpos, como eletricidade.

o barulho da chuva batendo na janela é a trilha sonora dos dois...

ele a beija e faz carinho nos cabelos desarrumados dela, que insistem em cair sobre os olhos. ela sorri para ele, tentando descobrir o que se passa por trás do seu olhar.

ela se sente protegida...

ela que sempre disse que amor e sexo são coisas separadas. ela que acreditara que amor era coisa de filmes, de poemas piegas feitos para adolescentes, agora procurava nos mesmos poemas as palavras pra descrever o que sentia.

ele que acreditava que não ia amar nunca mais. ele que disse a si mesmo que o amor era algo distante, que não podia mais ser sentido, se encontrava entregue.

eles trocam palavras, promessas e sorrisos. as pernas enrroscadas, como o destino que os dois acreditavam não haver.

ele diz a ela:

"boa noite, amor"

ela responde com um sorriso de menina, se aninhando mais nos braços dele.

a chuva bate na janela... nas sombras, dois amantes dormem e sonham juntos.