3.7.05

lost

ele ouve a respiração ao seu lado e subitamente é trazido de volta ao quarto... um quarto desconhecido, sem identidade... acostumado a cenas como a que presencia agora.

o ar viciado cheira a sexo, álcool e fumaça de cigarro...

ele olha a mulher ao seu lado. ele não lembra o nome dela, mas pode se lembrar de olhos fechados de cada canto do corpo dela... pode ainda sentir o gosto dela em sua boca.

ele volta seu olhar para o teto, onde um espelho olha de volta, desafiador, mostrando os corpos nus na cama desarrumada.

cansado da confrontação, o homem se levanta em silêncio, indo em direção ao banheiro.

ele abre o chuveiro no máximo, fazendo a água descer pelo seu corpo, levando embora os odores e sensações da noite.

o vapor da ducha quente forma fantasmas no ar, trazendo lembranças do passado, mas o homem se sente sozinho.

ele se sente fraco, pequeno e vazio.

e chora, sentado no chão do banheiro de um motel.

sozinho...

vampiro

eu caminho entre os vivos,
mas não posso me considerar como um deles.
tão pouco estou morto.
sou uma visão,
uma aparição,
a sombra de uma vida

uma possível vida
à qual abdiquei há tempos.

tantas esperanças, eu enterrei.
tantos sonhos abandonei.
tantos corações, destrocei.

mas meu coração resiste,
batendo saudável,
dentro do peito.
mas o sangue que ele bombeia,
este não é meu.

eu o roubei,
como roubei a vida de tantos,
me apoderei de seus sorrisos,
tomei de assalto seus desejos

e os transformei em meus.
apenas para deixá-los diluir em mim.

apenas para ter forças para viver mais um dia...

apenas para continuar.
eu escuto o silêncio, no meu quarto...

e o que eu ouço são os ponteiros do relógio da minha vida...

o tempo passa...

e eu não consigo mesmo decidir se acho isso bom ou não.

bad habit

um menino quieto... seus pais achavam que ele não dava trabalho... passava horas brincando com seus bonecos, imaginando um mundo só dele... não gostava muito de ir para a rua...
não tinha grandes problemas para se relacionar com as outras crianças, só gostava muito de ficar sozinho...

inteligente, os pais acreditavam... o menino passa várias horas por dia lendo coisas e mais coisas...

livro de gente grande, pensavam... como ele gosta de ler...

mas eles não tinham a mínima idéia do que passava na cabeça do menino...

não tinham idéia do que ele sentia...

ou melhor, do que ele não conseguia sentir...

e não tinham idéia de que, quando o menino passava horas e horas sozinho, tinha um hábito peculiar...

ele fazia pequenos cortes, no próprio corpo...

nada exagerado...

só pequenos cortes, que cicatrizavam e sumiam...

ele gostava de ver o sangue deixando o corpo... o vermelho vivo e brilhante era bonito, assim o menino pensava...

e a dor... a dor era um sentimento, em meio ao nada em que o menino vivia...
ele imagina a sua vida como uma taça...

de tempos em tempos, uma gota de desespero cai naquela taça...

ele imagina o que acontecerá quando a taça transbordar...
cansado... é assim que estou, hoje...

muito cansado... por conta de um monte de coisas... por conta das pessoas, do mundo... de mim...

eu queria dormir... por horas... por dias...

até que tudo passasse...