9.2.06

há um mundo por trás de tudo o que conhecemos.

para vê-lo, é preciso coragem.

e é preciso saber onde procurar...

olhe...

escute...

aprenda...

arrisque.

minuto de silêncio

em algum lugar do mundo, crianças se juntam, procurando o calor dos corpos uns dos outros em um apartamento parcialmente destruído em um bombardeio.
elas sonham com um lugar melhor, pedem em meio à lágrimas silenciosas para que tudo termine. rezam para encontrar os pais.

e no silêncio da cidade transformada em campo de batalha, por governantes estúpidos, não há nenhum deus para escutá-las.

5.2.06

em um cubículo escuro, em um bordel em uma rua antiga e esquecida do rio, uma prostituta se entrega sinceramente a um homem, apaixonada, amando e sonhando acordada com ele...

... por meia hora.
eu sou um pessimista assustadoramente sonhador...

amar

  (...)
este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
drummond - amar

porque viver vale a pena.

ele encosta no batente da porta entreaberta, olhando para dentro do quarto. um pequenino corpo se mexe, embaixo do edredon com desenhos de dinossauros.

o homem sorri, lembrando de momentos de sua própria vida em que acreditou que nada valia a pena. esteve desenganado do mundo muitas vezes. sentiu-se oprimido pelas pessoas, quis desistir de tudo. mas no fundo, acreditava que havia algo para ele, em algum lugar.

e ele descobriu um dia.

ele a ama com todas as forças... faria de tudo por ela... e agradece aos céus todos os dias que tem oportunidade de passar próximo a ela.

ele descobriu um dia que o mundo vale a pena... descobriu uma nova aventura, em viver.

e deve tudo à pequenina que dorme embaixo do edredon de dinossauros.

better man

ela olha novamente para o relógio, as luzes piscam 4:00. as lágrimas formam uma mancha no travesseiro.
ela repete baixinho, para si mesma, as palavras.
"não! eu não vou aguentar mais isso."
"eu vou embora."

lá fora, as luzes da pick-up iluminam momentaneamente o quarto, como um presságio da chegada dele. ela sera os punhos: "nunca mais!"

ele entra na casa, o barulho das botas se aproximando.

ela rola para o lado e finge estar dormindo. ele para aos pés da cama e olha para ela.

ela aperta os olhos.

ele vai em direção ao banheiro... volta para o quarto e deita ao seu lado, dormindo quase imediatamente.

ela sente o cheiro de cigarro, álcool e outras mulheres, nele. ela chora baixinho, mentindo para si mesmo que ainda o ama... que não conseguiria encontrar alguém melhor.

ela dorme, exausta, e sonha.

sonha com a menina forte e corajosa, que acreditava no futuro, aguardando para si o melhor do mundo. sonha com uma menina que encontrou o melhor homem do mundo. ele lhe dá flores e promete amá-la para sempre.

ele quis ir embora, um dia, após uma briga. ela não deixou. mesmo machucada na alma e no corpo, ela pediu para ele ficar.

não conseguirua encontrar alguém melhor...

ela sonhou com um futuro juntos, mas tirou o filho dele quando disse a ele que estava grávida e tudo o que ouviu foi um palavrão.

mentiu para si mesmo, dizendo que ia acabar com tudo, mas ela não consegue ficar longe dele.

não quer ir embora assim...

no fundo ela ainda acredita nos dois.

e que ela não conseguiria encontrar alguém melhor...

my eyes seek reality, my fingers seek my veins

um filete de sangue sobe pela seringa, quando ele perfura a veia. uma pontada de dor que ele deixou de sentir há tempos.
o sangue desce novamente em direção ao braço, quando ele injeta o líquido. sente o calor projetando-se pelo corpo, uma serpente correndo por seus vasos sanguíneos, carregada de veneno e promessas de prazer.
ele desata o garrote e espera, encolhido, tremendo um pouco, olhando para a mesa desarrumada. entre seringas usadas e colheres queimadas para produzir uma dose, um porta-retrato onde uma mulher e uma criança olham sorrindo para um futuro que nunca existirá.

o homem olha para a chama da vela, queimando em câmera lenta, criando fachos de luz que voam pelo quarto. ele pega um desses facho e o prende com as palmas das mãos fechadas... vai até a janela e solta a pequena chama, mas nada voa de sua mão. mais abaixo, os carros desenham formas nas ruas, um rio de formas e cores corre para baixo do apartamento.
as estrelas caminham pelo céu em forma de anjos e demônios.

ele mergulha num mar de águas transparentes, feitas de diamantes extraídos de estômagos de dragões. sente a pele descolar e danças em seu corpo, seguindo um ritmo próprio.

tudo fica escuro no mundo, menos a vela, que ilumina um porta-retrato manchado e velho, onde olhos brilhantes olham de um passado distante.

o homem deita-se em uma cama de formas e cores mutantes, que o agarra e engole, levando-o para longe do mundo, para longe dele mesmo.

ele chora lágrimas de gelo, chama pelo nome das duas, mas só consegue ouvir o barulho da serpente que devora os seus sonhos, correndo em suas veias, cheia de raiva e de desejo...