os móveis estavam todos no lugar de sempre. mesmo sem ter estado ali por mais de 10 anos, era capaz de sentir a presença do lugar.
"a casa parecia um pouco menor", ele pensou, "do que quando eu era criança. mas ainda assim, é um lugar enorme. e antigo."
os móveis estavam cobertos com panos, dando um aspecto frio ao lugar. o cheiro havia mudado e o silêncio era penetrante.
o acidente marcou para sempre a vida dele. depois que os pais morreram, teve que viver a vida sozinho. deveria morar ali, segundo seus tios. a casa era valiosa e ele deveria mantê-la intacta. mas ele não aguentou. não com a presença quase onipotente dos pais em cada canto.
caminhou pelo hall, até alcançar a escada. o tapete que cobria os degraus estava um pouco desbotado, mas ainda mantinha muito de sua riqueza de detalhes. ele subiu os degraus em silêncio.
"pai! tá chato lá fora."
o garoto olhou pelo vão da porta, procurando o pai, encontrou-o no final do hall a meio caminho do andar superior.
"posso ir com você? não tem nada pra fazer no carro!"
"está bem. vem pra cá que eu te mostro meu antigo quarto."
"oba! tem muitos brinquedos lá?"
o garoto atravessou todo o hall e foi correndo subindo a escada com o pai. lá fora, o sol escondia-se por trás das montanhas, pintando as janelas da casa de tons de vermelho.
os dois chegaram até um quarto com papel de parede azul e vários cartazes colados. o menino correu para procurar coisas interessantes, para brincar.
"sabe, filho... quando eu era criança, não tínhamos muitas coisas modernas para brincar. a imaginação era a coisa mais importante, no fim das contas. era com ela que críavamos os mundos onde brincávamos de todas as coisas possíveis."
"sem videogames?"
"sem videogames e computador e carros de controle remoto."
"nossa... que chato, né?"
"eu gostava..."
o homem sentou-se na cama, observou a criança remexendo tudo e sentiu uma nostalgia dos tempos antigos.
o menino foi atá a cama com alguns brinquedos na mão e começou a brincar sobre o colchão. o homem olhou de perto e viu a antiga coleção de bonecos de chumbo.
"nossa! eu não os via há tanto tempo! eu costumava guardá-los em uma caixa que seu bisavô me deu, mas depois encontrei uma utilidade melhor para ela."
"como assim, pai?"
"quando eu era criança, eu comecei a perceber que eu esquecia as coisas muito facilmente. então eu resolvi um dia que iria guardar todas as minhas memórias em uma caixa e sempre que eu precisasse, elas estariam lá."
"guardar numa caixa? nunca ouvi isso! como você fazia? escrevia elas e colocava lá dentro?"
"não. vem comigo, eu vou te mostrar!"
eles se levantaram e o homem foi até o meio do corredor, onde parou e abriu uma pequena porta que havia no teto, que se desdobrava para formar degraus que levavam para o sótão.
"eu deixei a caixa aqui, há muito tempo atrás, quando descobri que no fim sempre havia alguém para me lembrar do que eu havia esquecido. cuidado, porque aqui em cima é escuro, tá?"
eles sobem para o cômodo que está iluminado apenas por uma janela arredondada, tingida de vermelho. o homem acende uma luz que ilumina pouco o lugar. o bastante apenas para que eles pudessem revirar as coisas que estavam ali. nessa hora, ele ouve o barulho de algo se movendo, do lado esquerdo.
"ratos."
teria que lembrar de desratizar a casa, se quisesse voltar a morar ali.
eles começaram a procurar, até que o homem percebe a caixa perto dos pés do menino. ele a pega e mostra a ele.
"era aqui que eu guardava tudo o que eu aprendia e queria guardar para sempre."
"nossa... posso ver, pai?"
"tá bem... mas cuidado, tá?"
"tá!"
ele entrega a caixa ao garoto, que começa a examinar o exterior do objeto, com um interesse enorme. o pai sorria um pouco, encantado com aquilo tudo.
o menino destravou a caixa e começou a abri-la.
foi quando uma pequena criatura, completamente negra, do tamanho de um gato e com olhos brilhantes saiu de trás de um antigo baú e correu para pegar a caixa, arrancando-a da mão do garoto.
o menino caiu no chão, com o susto e a criatura olhou intrigado para os dois, segurando a caixa com as duas mãos. de repente, ela se vira e corre para o canto oposto do sótão.
o menino levanta-se, olha por um segundo para o pai e corre atrás do vulto negro.
"devolve a caixa!"
os dois, criatura e menino correm em direção a uma antiga armação que um dia abrigou um espelho de quarto e atravessaram a moldura.
e os dois desapareceram.
o homem ainda não havia se recobrado de tudo aquilo, não acreditando no que acabara de presenciar. que animal era aquele? de onde veio? para onde ele e o seu filho foram???
correu para o canto do sótão. naquele momento a noite já havia baixado sobre o mundo e tudo parecia muito escuro, lá fora. o homem chamou por seu filho, revirando cada canto, cada caixa de papelão do sótão, sem encontrar sinal de seu filho. ele devia ter saído do sótão, enquanto ele estava distraído com tudo o que acontecera.
o homem desceu as escadas e procurou por toda a casa. não havia sinal do menino.
então ele teve uma idéia absurda. mas era a única que ele poderia ter, naquele momento.
subiu novamente a escada para o sótão. foi até o canto do cômodo.
olhou demoradamente a antiga armação do espelho. e então ele passou por ela.
e encontrou o outro lugar.
2.2.06
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2 comentários:
Ó, Neil Gaiman vai querer royalties. E Lewis Carroll também! :)
E minha mente associou essa caixa de memórias à caixa de Pandora, sabe-se lá o porquê.
Se o pai não tivesse conseguido passar? Que idéia passaria?
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