16.1.07

noites

a calçada molhada brilha, refletindo as luzes de letreiros de neon. uma chuva fina e fria cai no meio do verão, forte o bastante apenas para incomodar enquanto se anda, mas fina demais para se ter vontade de abrir o guarda-chuva.

ele caminha sozinho, a fumaça do cigarro desvia dos pingos que caem do céu. imerso em pensamentos antigos, ele deixa a rua guiá-lo. ele olha para os letreiros que piscam e se revezam em cores fortes com promessas de sensações intensas e prazer inigualável. ele sabe que as luzes das fachadas servem apenas para esconder a verdadeira natureza do lugar.

ele pensa nas mulheres que exibem corpos cheios de marcas de anos de abuso, pensa em crianças perdendo a virgindade em camas sujas para quem pôde pagar mais. ele pensa em filhos criados em meio a álcool e drogas; violência e indiferença.

homens sem alma o olham, desconfiados. o cheiro da rua é forte e desagradável. em um beco escuro, uma mulher entrega seu corpo por alguns trocados para comprar comida. ele se pergunta se há algum alimento que vá tapar o buraco em sua alma.

então ele a vê: o corpo franzino mal desenvolveu curvas que a deixam parecida com uma mulher adulta. o olhar mantém algo de infantil, mas falta algo. ele imagina que seja a inocência perdida há tempos. ela veste roupas curtas que mostram uma pele branca.

ela o vê chegando e finge um sorriso.

o homem pára na frente da menina. ele a olha em um longo silêncio.

ele a vê em outra noite como essa. ele vê o corpo franzino. o olhar inseguro. a pele quase etérea.

e ele vê um corpo jogado em um canto. um corpo de menina.

ele olha novamente para ela e percebe que aquela ali é outra garota.

e mais uma noite, ele foge para as sombras.

e mais uma noite, ele chora em silêncio, pedindo perdão.

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