24.1.06

a fumaça preenchia o ar com cheiro de pólvora, enquanto os ouvidos dele ecoavam o barulho da revólver enferrujado.

no chão, um corpo parece estranhamente desprovido de humanidade, pela maneira como as pernas estavam dispostas. o sangue espesso e escuro formava uma poça, que refletia as luzes amarelas da iluminação de rua.

o homem com a arma não sentia nada. como o corpo estendido à sua frente, ele estava desprovido de alma.

ela lhe foi tomada aos poucos, diluída em copos cheios de bebida barata, em bares sujos onde ele se escondia da frustração de não conseguir mais trabalho.

ainda reside dentro dele uma lembrança que parece distante, sem foco, como um filme antigo: uma mulher (sua esposa?) reclamando de não ter comida em casa ela carregava uma criança nos braços e outra dentro de seu corpo (seus filhos? não se lembrava). eles discutiram. ele bateu nela.
ela revida com a faca...

o corpo dela e das crianças foi encontrado pelo vizinho, dias depois. o homem nunca voltou lá.

vivera na rua, desde então.

tornou-se viciado.

roubava para comprar mais pedras, pra queimar todas as dores do mundo na fumaça de um cachimbo improvisado de restos de lixo.

abaixou-se para pegar a carteira do homem. vasculhou-a, à procura de dinheiro. havia pouco. em um dos bolsos, uma foto de uma mulher e uma criança.

jogou-a fora.

levantou, dando uma última olhada para baixo. queria ter tido mais sorte... aquela grana ia dar para pouco crack.

colocou a arma por dentro da calça e se afastou.

não sente pena do homem.

ele também sabe o que é estar morto.

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