quando o gigante veio em minha direção para terminar com minha vida, lembrei do rei, que estava sob ataque do traidor e um impulso de raiva fez-me desviar do primeiro golpe e acertar a cabeça dele com um elmo que estava a meu lado. quando ele perdeu o equilíbrio, ajoelhei e joguei todo o meu peso num empurrão que fez com que aquele traidor caísse no meio de uma poça de lama e sangue.
completamente perdido, olhei em volta, cansado e ferido, procurando pelos cavaleiros e vi que nossos homens estavam perdendo para os inimigos, pois haviam sido cercados longe dos lanceiros com escudos.
não achei a minha espada, então peguei a primeira arma que encontrei, ainda enfiada no corpo caído e corri, tentando me manter incólume no meio da batalha.
a chuva atrapalhava a corrida, havia lama demais, corpos demais jogados. meu braço latejava enquanto uma crosta de sangue ia se formando, no ombro e era difícil me manter concentrado. tudo o que eu conseguia pensar é que não poderíamos perder ele. não hoje, não nessa batalha e não aqui, às portas do centro do reino.
enquanto corria e tentava me manter lúcido, imagens de outros tempos passaram por mim. lembro da bretanha da minha infância, os ataques saxões, os senhores romanos que queriam manter a ordem pela força de um império que morria. pensei em minha doce esposa, em meus filhos. lembro da ordem que trouxemos às tribos. a paz mantida pela espada dos deuses.
aquilo não iria terminar. não hoje.
os traidores haviam cercado nossos cavaleiros. o rei estava à frente, como sempre. há alguns metros, o usurpador sorria, um sorriso em um rosto sem emoção.
uma pontada de medo surgiu em meu coração, quando percebi que o rei não iria mais recuar. eles estavam em menor número.
o homem que havia sido quase um irmão para mim estava com um olhar sereno. ele desceu do cavalo, caminhou alguns passos e gritou que aquilo terminaria ali, naquele dia.
de repente, o campo de batalha foi se tornando um lugar silencioso. todos pareciam ter ouvido a afirmação. alguns anos depois ouvi algumas mulheres dizendo que naquele dia, o rei havia tomado a voz do próprio bran para si.
eu estava lá e às vezes me pego pensando o mesmo. todos haviam se calado. a própria colina onde estávamos parecia ter adquirido um ar quase etéreo... como se tivéssemos atravessado a ponte que liga os mundos e nesse momento estivéssemos no reino dos antigos.
um dos traidores tentou acertar o rei, mas recebeu um golpe de espada nas costas que veio do próprio usurpador e caiu no chão, já sem vida.
o bastardo desceu do cavalo e passou o sangue que escorria da espada em seu rosto, mantendo o sorriso mortal por todo o tempo. ele parou por um momento, como se para fazer reverência ao rei e tentou golpeá-lo por entre as costelas. o rei desviou e eles iniciaram a luta.
golpe após golpe, eles se equiparavam, golpeando, desviando e golpeando novamente.
eu estava paralisado. tudo parecia ter parado. era um duelo entre gigantes e nenhum dos dois parecia vacilar um só segundo.
mas o usurpador era ardiloso. percebendo que não conseguiria vantagem sobre seu adversário, utilizou seus jogos sujos. depois de dar um golpe de cima para baixo, o guerreiro negro girou sobre seu próprio corpo e golpeou novamente, à maneira dos romanos e fez com que o rei usasse de toda a força para bloquear os dois golpes. nesse momento, o bastardo puxou uma faca fina que estava em seu cinto e a enterrou por baixo do braço do rei, que deu dois passos para trás, tentando entender o que acontecera.
depois de alguns segundos os passos do rei se tornaram vacilantes, quase como se ele houvesse ficado bêbado. só podia significar uma coisa. havia veneno na lâmina da faca. ele havia sido envenenado.
naquele momento, eu senti um calafrio percorrer meu corpo, pois o usurpador estava tentando gravar a espada na cabeça do rei. ele aguentou a força do golpe, mas caiu de joelhos. o traidor da bretanha se aproximou, mas o rei se levantou, com os olhos injetados de ódio e golpeou o inimigo três vezes seguidas, com tanta força que o traidor caiu de costas. o rei levantou novamente a espada sagrada e a empurrou com toda a força no peito do príncipe negro. a batalha havia acabado.
mas...
o rei não se movia.
o traidor havia levantado a sua espada no último momento e ela havia penetrado a armadura do rei, atravessando seu peito e saído nas costas.
os dois haviam se chocado por uma última vez. a guerra acabara. não haveria vencedores nesse dia.
e ali, por sobre aquela colina, eu chorei pela última vez...
ali nós perdemos a esperança... a bretanha perdeu seu rei...
e eu perdi um amigo.
21.10.04
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