20.12.06

trapezistas do vazio

ela acorda assustada.

na penumbra ela procura localizar-se. não conhece o quarto, mas parece ser um quarto genérico de hotel. em volta do seu corpo, um braço desconhecido descansa.

a jovem tenta se lembrar de como foi parar ali, mas a dor de cabeça intensa afasta qualquer possibilidade de explicação.

a nudez indolente do homem ao seu lado e um gosto salgado em sua boca a fazem imaginar o que teria acontecido.

ela se sente envergonhada. lembra de outras camas em outros hotéis. outras noites passadas na companhia de um estranho.

lembra do garoto que ela deixou em casa. provavelmente estaria dormindo. seu coração aperta em saber que ele está sozinho e que a culpa é só dela.

de repente, o braço à sua volta parece apertar mais. as paredes do quarto parecem se aproximar, fechando-se ao seu redor. respirar é difícil demais. ela precisa sair.

a dor de cabeça parece diminuir quando ela sai na rua. nas mãos um maço de cigarros roubado do casaco do homem. ele nem mesmo percebeu que ela saiu do quarto.

cambaleando, ela atravessa ruas, em direção à sua casa.

a fumaça do cigarro não preenche o enorme vazio que há em seu peito.

em um bar, um homem olha para o nada, segurando um copo. ele não está bêbado. gostaria, mas não tem coragem de fazer nem mesmo isso.

"hoje ela faria 35", ele pensa. em sua cabeça, imagens de um passado que parece quase inexistente dançam.

sonhou com ela novamente, mais cedo. acordara tremendo, na cama.

fugiu de sua própria casa, como sempre fazia quando a dor era forte demais. caminhou respirando o ar da noite. prostitutas lhe ofereciam alívio. ele as recusava.

o alívio que elas ofereciam nunca lhe foi suficiente.

ele toma o último gole e levanta-se. o ar noturno está frio e sombras passam, cobertas em casacos pesados.

ele caminha sem saber onde chegar.

ela e ele se cruzam. por um instante ,se olham.

e por um instante, é como se os dois se reconhecessem.

os olhares se afastam.

mas uma lembrança desse momento os seguirá.

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